Raphael Montes, escritor contemporâneo brasileiro, quando questionado, em uma entrevista realizada pela TV Sesc, sobre o motivo pelo qual a literatura de medo não é tão consumida no Brasil, responde: “nós estamos anestesiados pela violência no Brasil, pois nossa sociedade vive em contexto de banalidade. Então, o conflito não choca mais, não é tão atrativo, pois as pessoas o aceitaram”. De fato, vemos, diariamente, nos noticiários, crimes os quais ocorrem, muitas vezes, por motivos tão banais, todos os dias, nas ruas, no mercado de trabalho, na escola, nas casas. Outrossim, a indústria do entretenimento incorporou atos violentos como sendo algo fundamental para a manutenção da audiência. Assim, a aceitabilidade dessas situações é um fator presente, causando certo apreço pela violência e, por conseguinte, sedução por aquilo que expõe o outro; a exposição de terceiro é lucrativa.
Para começar, há alguns elementos os quais tornam mais intrigantes as cenas violentas na arte cinematográfica. Nessa ótica, a estrutura dramática, vantagem do cinema em relação a todas as outras manifestações artísticas, é fundamental para a atração: cenário, iluminação e música de suspense. Em um programa televisivo, ao contrário da realidade, atitudes cruéis geram audiência, e o interesse é intensificado pelos recursos audiovisuais: não é atoa que a indústria dos games torna-se um fenômeno o qual supera marcas de lucro ano após ano; os jogos agressivos estão entre os preferidos dos gamers. Também, os reality shows trabalham muito bem com algumas predileções humanas: por um lado, esses programas não se afastam de concepções culturais, as quais fazem parte do imaginário do senso comum, a violência extrema; por outro, o fascínio gerado pelo cenário, pelo “belo”, pela exploração dos sentidos promovida pelas edições e pelos recursos cinematográficos.
A fito de ampliação, o ser humano recorre ao trágico porque esse elemento é fruto cultural, não recente, é claro, mas extremamente presente e difundido pelo advento da internet. Nesse viés, Yves Michaud, filósofo francês, reforça que tanto a violência física quanto a moral podem ser de gravidade ímpar na vida de alguém, mas ambas fazem parte do imaginário humano. A essa ideia, soma-se a violência simbólica – discursos que negam o lugar e a importância do outro. Ora, agora percebemos por que quadros televisivos persuadem pessoas e geram audiência significativa: o “Jogo da discórdia”, o qual faz parte do programa “Big Brother Brasil”, é sempre um dos quadros mais comentados nas redes sociais, como o “Instagram” e o “Twitter”. Nele, os participantes precisam falar quem: a) se faz de vítima; b) é fraco no jogo; c) é fútil; d) é desagradável; e) não tem personalidade; f) é arrogante; g) é trapaceiro. A partir de tal lógica, a banalização da violência tornou-se algo tão mercadológico que programas de entretenimento lucram muito a partir do comportamento social, gerando um paradoxo: o público que se diverte com a exposição do outro é o mesmo que se incomoda com conflitos na família, no mercado de trabalho, no círculo de amizade.
Em suma, atentos ao funcionamento social, profissionais da comunicação midiática, mapeando minuciosamente a sociedade, conseguem a atenção necessária para o sucesso provocado pela violência: geram prazer por meio do mal provocado ao outro. Tal sadismo é fruto da violência, e esta gera descarga emocional no expectador, capaz de, ao mesmo tempo em que se incomoda, também o indivíduo vibra com o sofrimento alheio. Ora, por que, todos os dias, nós lutamos por um mundo mais justo, mais compreensivo (com menos rótulos, menos julgamentos, menos engessamento), porém vibramos quando um participante de um programa expõe o brother em rede nacional, ditando o modo como o outro deveria agir? Por que a exposição do outro nos anima, faz-nos rir? Tais perguntas devem ser feitas não apenas pensando na casa mais vigiada do país, mas pensando na sua, na minha, na do vizinho, na do cônjuge, namorado, ficante, amigo. Também, em espaços sociais, como a escola, o ambiente de trabalho e o clube.
Professor Franco de Paula é graduado em Letras pela UNESP de S. J. Rio Preto. Além disso, possui formação em Pedagogia e pós-graduação em Gestão Escolar