Ao longo da minha vida, cabem nos dedos de uma mão as vezes em que vi o Brasil em choque e em tanta comoção. Impressionante, como uma menina genial na arte de compor e também na facilidade de comunicação, conseguiu “construir” cantando um gigantesco NÃO a todo sofrimento que passam milhares de brasileiras. E foi assim que sua voz “semeou” uma mulher mais patroa, mais senhora de si e do seu destino em um país onde a hipocrisia esconde o conservadorismo doente e o machismo debaixo do tapete.
Num segmento dominado pelo machismo como o sertanejo, acredito que nunca houve e jamais haverá outra Marília Mendonça. Acredito que, um dia em algum lugar do futuro, alguém que estude a participação da mulher na música sertaneja a dividirá em antes e depois de Marília, dado tamanho impacto tão breve e tão potente dessa compositora, que transformou a mulher, quase sempre passiva e quase sempre decantada pela beleza, na mulher que reivindica, que luta, que protesta e que também convida para ir ao motel. Aquela que faz tudo que o machista pensava ser apenas direito seu.
Um talento enorme que se vai! Pena, que a vida é tão cigana, caravana, pedra de gelo ao sol. Que pena que tenha sido tão breve sua passagem, mas ao mesmo tempo intensa e infinita como aquelas que ficam em legados e canções! Marilia Mendonça se foi fisicamente! Mas, continuará a ser uma voz linda vibrando no ar inspirando outras meninas e magicamente outros violões.
Eu acredito, que o seu legado ainda vai despertar outras mulheres, ou melhor, multidões de mulheres, a descobrir tudo que possa estar “guardado” nas entrelinhas de suas canções. Um legado que propõe que o lugar de toda mulher é onde ela quiser. Que a mulher seja cada dia mais livre das “amarras” do machismo arcaico que ainda predomina no Brasil. Que a mulher não seja submissa e nunca se cale diante das violências e injustiças. Que a mulher seja livre para beber, fumar e fazer tudo o que quiser. Pode namorar o mais jovem ou o mais velho também… Que seja respeitada a sua orientação sexual e desejos sejam quais forem… A mulher pode tudo! MAS, QUE PARA PODER TUDO ELA NUNCA SE ESQUEÇA A ARTE DE SE SUPERAR…
Quem sabe esse legado da menina de Cristinópolis, um dia convide a mulher a uma participação muito além e que a mulher se torne MAIS ativa e com MAIS consciência política para influenciar ainda MAIS os caminhos e os destinos do país.
Algo me diz que de alguma forma um dia o futuro vai revelar que Marília Mendonça não era apenas uma menina e seu violão. Ela era uma revolucionária que usava uma linda arma: A CANÇÃO!