Precisamos falar da nossa democracia

No dia 5 de outubro de 1988, Ulysses Guimarães, então deputado federal e participante da Assembleia Constituinte, faz seu discurso sobre a promulgação da Constituição Cidadã Brasileira dizendo o seguinte: “A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança. Que a promulgação seja nosso grito: Muda para vencer! Muda Brasil!” A importância dessa data, muito embora pouco comemorada e pouco rememorada nesse nosso país, se dá por conta dos 21 anos de ditadura militar que precederam 1985 – ano das primeiras eleições indiretas para presidência do país.

Ao todo, se datarmos de 85, nossa democracia tem 36 anos, se considerarmos, porém, a promulgação da Constituição, temos meros 33 anos. De certa maneira, nos acostumamos a crer que essa fase democrática brasileira está consolidada, em especial com a disseminação da internet e das redes sociais. Desde meados do século XX, nunca tivemos tamanha liberdade de expressão, de disseminação de ideias e valores como agora. No dia a dia de nossos afazeres, das nossas conversas cotidianas, de nosso trabalho e preocupações comezinhas – ainda de suma importância para nossa sobrevivência diária – nos esquecemos, porém, que o ambiente democrático no qual vivemos está entrando em sua fase adulta apenas agora.

No processo de impeachment da então presidenta Dilma Rousseff, observamos um deputado louvar Ustra, um dos maiores torturadores da ditadura, torturando, inclusive, a ex-presidente em seus dias de militância contra o governo autoritário. Anos depois, o mesmo deputado foi eleito presidente do país, com discursos ainda mais controversos. Aquele ato, por si só, já deveria ter acendido o alerta vermelho em nossa sociedade. Contudo, existe em parte dos brasileiros, uma tentativa de revisionismo desse período tão escuro do nosso país. Em parte, porque acreditam na instância militar, e em parte porque não vivenciaram de perto as atrocidades – afinal de contas, o interior do nosso país pouco esteve presente nessas lutas.

Nessa semana em que os militares foram “pegos no pulo” pela CPI, acharam de bom tom soltar uma nota um tanto quanto intimidadora. Tanto a nós, cidadãos cuja Constituição nos preserva (e não os militares), quanto aos senadores, de importância substancial para o aparato democrático. Resta saber se os brasileiros vão querer seguir Ulysses Guimarães, onde a mudança só é possível por meio de aparatos legais e constitucionais, ou cair, mais uma vez, na falácia de que militares são bons governantes.