A aranha Nephilingis cruentata, popularmente conhecida como maria-bola, chama a atenção por ser consideravelmente grande e ter cores exuberantes. Ela está presente em várias áreas da cidade de São Paulo, desde prédios em construção até o fundo do Pavilhão da Bienal, no Parque do Ibirapuera.
Apesar do físico avantajado, o animal é inofensivo para os humanos. Mais do que isso, pode ser uma grande ajuda no controle de doenças. Isso porque pesquisadores do Instituto Butantan, órgão ligado à Secretaria de Estado da Saúde (SES), mostraram em estudo publicado na Scientific Reports que moléculas presentes na aranha com potencial inibidor de enzimas podem ser usadas no desenvolvimento de novos fármacos e inseticidas capazes de controlar insetos como o Aedes aegypti, mosquito transmissor de doenças como dengue, Zika e chikungunya.
Para entender a pesquisa, é possível fazer um paralelo com o que acontece no sistema digestivo dos humanos. Antes de ingerir alguns alimentos, cozinhamos os ingredientes com a finalidade de eliminar inibidores e proteínas que não seriam facilmente digeridas pelo organismo. Grande parte dos seres vivos possui inibidores de enzimas, mas esse processo de preparar os alimentos ajuda nossa espécie a comer em maior quantidade e variedade.
As aranhas Nephilingis cruentata ingerem um grande número de insetos, o que levou os cientistas do Laboratório de Bioquímica do Butantan a sugerirem que essas aranhas também contavam com inibidores de enzimas naturais. Para testar a hipótese, os pesquisadores estudaram inibidores que atacam enzimas envolvidas na degradação de proteína, isolando-os e submetendo-os a tratamento térmico.
Após as análises, a equipe concluiu que essas moléculas podem estar presentes no sistema digestório de outras aranhas, associadas à inativação da tripsina (serino peptidase) das presas ingeridas pelas aranhas. Vale dizer que a molécula estudada pelos pesquisadores do Butantan não age de forma isolada: na verdade, ela está em um meio com outras substâncias que possuem propriedades semelhantes e atuam em sinergismo.
Outra descoberta do Laboratório de Bioquímica foi comprovar que os inibidores encontrados no organismo da maria-bola têm propriedade larvicida, ou seja, são capazes de eliminar larvas de insetos. Uma aplicação possível dessa molécula, portanto, seria no combate ao mosquito Aedes aegypti, vetor de transmissão dos vírus da dengue, chikungunya e Zika, no seu estado larval.
“Nós já demonstramos que a molécula tem uma atividade larvicida, por exemplo, em Aedes aegypti (mosquito da dengue) e Culex (pernilongo comum), que são dois mosquitos importantes para controlarmos. Mas quando ela está isolada, aparentemente ela não tem mais essa atividade”, explica Adriana Rios Lopes, pesquisadora do Laboratório de Bioquímica do Butantan e uma das autoras do estudo.
A equipe ainda está investigando os efeitos das diferentes combinações entre as moléculas, com vistas ao desenvolvimento de inseticidas. “Esses inibidores têm características específicas. Eles são termoestáveis, então se você pensar em construir uma nanopartícula contendo esse inibidor, você pode deixá-la em temperatura ambiente porque ela vai resistir”, complementa a pesquisadora.