A estrada da desigualdade

“A dor da gente é dor de menino bezerro pisado no ‘curral do mundo’ a penar”. Com os versos do poeta Raimundo Sodré faço a introdução do que sinto em relação à tragédia anunciada que acorreu no Litoral Norte e atingiu o “pico das dores” em São Sebastião. As lágrimas caem junto das dores que a tempestade e o descaso com essa gente, nossa gente, causaram.

Essa gente, que  carrega o mais pesado da cruz causada pela crueldade da desigualdade social num país que, um dia, foi chamado de Terra de Santa Cruz.

‘Essa gente’  a qual me refiro é nossa gente(!), a maioria ‘esmagadora” do nosso povo. Gente massacrada por uma das maiores desigualdades do mundo. Desigualdade gerada há mais de quinhentos anos por uma elite egoísta e que domina as regras e o “jogo da vida” nessas terras tupiniquins de acordo com o que seja conveniente. E que para tanto produziu, patrocina e influencia a maioria dos partidos e dos políticos do país.

A Rodovia Rio-Santos há muito tempo é cada dia a mais completa tradução da desigualdade social no Brasil. Um Brasil com jeito de glamour, mansões e condomínios de luxos e DO OUTRO LADO DA RODOVIA um espelho que reflete os vários “Brasis” da miséria, das moradias precárias e improvisadas por aqueles que essa realidade nega oportunidade. Por aqueles que muitas vezes apenas sobrevivem à margem da vida – sem saber o que é viver.

Muitas vezes a burguesia fede (como diria Cazuza) apesar dos perfumes importados. Muitas vezes seus comentários “fedem”, isto é o que sinto ao ouvir pessoas que integram a chamada alta sociedade e que do alto da falta de sensibilidade perguntam: “POR QUE ESSA GENTE MORA ALÍ?”

Por que será, por que será? Elementar meu caro meu caro Watson! A essa gente não é dado o direito de escolher? Por que quem é rico mora na praia, (mas quem trabalha para quem mora na praia) não tem onde morar…

Alguém diria que estou invertendo os fatos e jogaria toda responsabilidade no poder público. Mas, na minha visão é a própria elite (ou sistema como queiram) que patrocina a grande maioria dos políticos que estão no poder e, sendo assim, poderia ter ações contundentes junto ao “jogo do poder” na busca de saída para as questões sociais que tanto fazem nossa gente sofrer.

Mais, isso não parece estar na “pauta” de seus interesses e muito menos na prioridade (dos políticos em todas as esferas). Afinal, há quantas décadas esperamos políticas públicas que possam resolver as questões das moradias de riscos seja em São Sebastião ou em outras cidades brasileiras?

Afinal, logo a mídia parte para uma nova cobertura, logo toda essa dor fica em algum lugar do esquecimento, até a próxima tragédia.

Enquanto for assim, nossa gente continuará sofrendo as consequências do descaso. E, pior, continuará presa às “amarras” que a oprimem. Porque sem consciência política continuará votando nos candidatos que representam o sistema e significam o desinteresse com sua vida e também a sua opressão. Enquanto isso, alguns da alta roda (high society) continuarão trafegando pela Rodovia Rio-Santos em seu carrão importado perguntando para sua falta de sensibilidade: POR QUE ESSA GENTE MORA ALÍ?